De olho na matemática
A Matemática, enquanto ciência viva, aberta, em constante expansão, contribui decisivamente para uma melhor compreensão desse mundo, cada vez mais complexo e multifacetado, que exige de nós um número continuamente crescente de conhecimentos e habilidades.
Também instrumentaliza o indivíduo de um maior poder de raciocínio para o enfrentamento e solução de diferentes situações-problema com que ele se depara no seu dia-a-dia.
E foi assim, resolvendo problemas práticos envolvendo a quantificação da realidade, ora contando ora medindo, que o homem, através da história, fez e continua fazendo matemática.
Fazer Matemática é estabelecer relações, elaborar e comunicar estratégias de resolução de problemas, argumentar, procurar defender e validar seu ponto de vista, reformular ações a partir dos erros, antecipar e verificar resultados, agir, enfim, como produtor de conhecimentos e não como mero reprodutor; como aquele que não só resolve, mas também é capaz de propor problemas.
E essa construção precisa começar bem cedo, se almejamos contribuir para a formação de cidadãos autônomos, conscientes, reflexivos, críticos e transformadores.
Cabe, portanto, às escolas de Educação Infantil, sistematizarem um trabalho em Matemática carregado de significados para a criança que, ao partir dessa Matemática que ela já faz, intuitivamente, brincando, jogando e resolvendo problemas na sua relação com o meio sócio-cultural, possa mobilizá-la a pensar, a desejar aprender e a construir o conhecimento matemático, que vai mudando à medida que a criança cresce e também a instrumentaliza para gerar novos e novos conhecimentos, ou seja, para aprender a aprender que, ao nosso ver, deve ser o principal objetivo da escola.
Desde muito cedo, as crianças estão em contato com a Matemática, nas suas atividades cotidianas, fora da escola. Demonstram uma aquisição informal, espontânea quanto a conceitos matemáticos, envolvendo compreensão numérica, noções sobre espaço e grandezas. Essas aprendizagens realizadas fora da escola são muito variadas e construídas conforme o ambiente sócio-econômico e cultural.
A fim de planejar mais acertadamente os objetivos a atingir e os melhores meios de consegui-lo, junto a cada grupo-classe, a professora precisa dar-se conta dessa importante e diversificada bagagem de experiências e conhecimentos que as crianças trazem para dentro da sala de aula, entendendo que a mesma vai, continuamente, modificando-se, a partir das novas e, agora, sistematizadas experiências de aprendizagem.
Quanto mais o saber escolar se articular ao saber cotidiano, mais significativa será a aprendizagem das crianças. Para que uma atividade seja significativa, tenha sentido para a criança, precisa estar inserida em um contexto, seja o mesmo uma brincadeira, uma história, um jogo, uma situação-problema.
A professora deve propor situações-problema à criança, preferencialmente, usando dados da sua realidade mais próxima e que mobiliza seu interesse, em um nível de desafio coerente com a sua maturidade, em cada ano da escolaridade. Compete a ela auxiliar a criança na compreensão dos dados dos problemas e do que se quer atingir e, também, na busca da solução por estratégias pessoais, que devem ser socializadas e confrontadas no grupo-classe.
Ao resolver inúmeros problemas de natureza diversa, a criança vai construindo conceitos, fatos e, também, procedimentos e atitudes.
As professoras de Educação Infantil devem procurar criar oportunidades para que a criança possa construir, simultaneamente, muitos tipos diferentes de relações na vida real, pensando ativamente sobre muitas coisas ao mesmo tempo. Sempre que oportuno, na rotina escolar, a professora deve desafiar o pensamento da criança, apresentando-lhe propostas nas quais ela necessite relacionar objetos, comparando-os, ordenando-os, separando-os, reunindo-os.
As construções cognitivas, apesar de internas, não são espontâneas nem inatas, necessitam ser provocadas, estimuladas, orientadas.
Nesse sentido, a professora favorecerá essa construção, colocando as crianças em íntimo contato com as características internas dos objetos de conhecimento. Nesse contato, transformar-se-ão tanto a criança (sujeito que pensa) quanto o objeto sobre o qual ela pensa.
É pensando ativa e autonomamente sobre os números, sempre que os mesmos forem significativos para ela, que a criança adquire uma compreensão da série numérica, da contagem e do nosso sistema de numeração. E é vivenciando jogos e resolvendo problemas práticos, envolvendo as suas relações com o espaço, as formas e as grandezas, que poderá desenvolver o seu pensamento geométrico, indispensável para a compreensão da realidade que nos cerca, povoada de imagens e orientar-se em meio a um mundo de objetos no espaço.
Em síntese, a criança age física (abstração empírica) e mentalmente (abstração reflexiva) sobre os objetos ao seu redor e vai, progressivamente, criando formas de representação desse mundo explorado. Entre elas: imagens, desenhos, linguagem verbal, linguagem matemática.
Todas essas ações/reflexões serão otimizadas na sala de aula se a professora encaminhar o trabalho em Matemática a partir dos jogos, brincadeiras e resolução de problemas, atividades privilegiadas para a construção de conhecimento nesse período de desenvolvimento.
A criança naturalmente brinca para extravasar energia, para conhecer-se e ao outro com quem está em permanente interação, para aprender normas de comportamento e hábitos próprios da sua cultura, para conhecer o uso cultural dos objetos, para desenvolver a linguagem, para conhecer fatos, eventos, entre outras finalidades.
As brincadeiras e jogos oportunizam a realização de um grande número de operações num tempo relativamente curto, o que as torna proposta de alto rendimento por excelência. Nessas situações, a cooperação espontânea prevalece, uns ajudam os outros e a professora ajuda a todos, atuando na zona de desenvolvimento proximal para promover avanços na aprendizagem individual e coletiva.
Com a ajuda de parceiros(as) mais experientes, a criança poderá realizar tarefas que sozinha não seria capaz de conseguir. Segundo Vygotsky, o que uma criança hoje realiza com ajuda, amanhã será capaz de realizar de modo independente.
Nos jogos, as crianças e, principalmente, a professora, lidam com os erros de forma desculpabilizada. O erro revela a forma lógica de pensar da criança em cada fase de sua evolução, daí ser considerado um “erro construtivo”, porque ao indicar o que a criança precisa compreender antes de interagir com determinado tipo de desafio, possibilita à professora redimensionar os seus encaminhamentos, propostas e suas intervenções no processo de raciocínio da criança, que é muito mais eficaz do que corrigir suas respostas, como se fossem produtos acabados.
Dos 0 aos 3 anos, as crianças vão estabelecendo suas primeiras relações espaciais e numéricas e é no jogo e na brincadeira que encontram as mais ricas oportunidades de realizarem as aproximações iniciais aos conceitos matemáticos. A aquisição desses conceitos, apesar de não se constituir nessa faixa etária, é, sem dúvida, bastante favorecida pela finalidade principal de jogos e brincadeiras.
Entre brincadeiras e jogos apreciados nessa idade, destacamos: brincadeiras populares (boca de forno, macaco mandou, dança das cadeiras), brincadeiras de roda, jogos de faz-de-conta onde existam telefones, teclados de computador, dinheiro de brinquedo (contato informal com o número), jogos diversos com bolas e jogos de construção.
Dos 4 aos 6 anos, os jogos são ainda mais enriquecidos, à medida que a criança avança na sua capacidade de explicar suas ações, suas estratégias, descrever ações dos colegas, questionar com maior pertinência, começar a compreender e respeitar as regras, o jogo passa a adquirir a dimensão de conduta consciente. Nos jogos e brincadeiras, as crianças dessa faixa etária aplicam e aprofundam muitos conceitos espaciais e numéricos.
Destacamos como instigantes as propostas: brincadeiras de esconde-esconde, “31 alerta”, coelhinho fujão, melancia, rabo de macaco, mamãe posso ir?, amarelinha, jogos de mesa usando dados, baralhos, dominó, trilhas, loto, bingo (confeccionados pela professora ou comprados no mercado) e jogos de alvo como boliche, bolas de gude, argolas, arremessos diversos.
A professora pode usar um mesmo jogo com inúmeras variações e adaptações. É importante não variarmos demais os tipos de jogos num intervalo curto de tempo, a fim de favorecermos a apropriação, por parte das crianças, das regras e dos conceitos implícitos em cada jogo.
Vale ressaltar, também, que a professora reserve um tempo da rotina semanal para os jogos que as próprias crianças criam ou ela mesma invente.
Sem dúvida, os jogos podem ser entendidos como situações-problema, entendendo que problema é toda situação na qual seja solicitado que os alunos ponham em jogo tudo o que sabem para lidar com novos desafios na busca de soluções. Além dos problemas que as crianças são solicitadas a resolver durante as situações de jogo, outras instigantes atividades de resolução de problemas devem ser propostas em circunstâncias diversas da rotina escolar, tais como: distribuição do material da sala para os colegas (Faltaram lápis? Quantos?); hora do lanche (Quantos biscoitos cada um pode ganhar?); chamada (Alguém faltou? Sobraram crachás? Quantos alunos estão presentes? Quantos faltaram?); exploração sistemática do calendário (Quantos dias faltam para a nossa ida ao zoológico? Quantos dias sem aula haverá neste mês?); utilização de materiais concretos (ábaco, barras de Cuisenaire, dinheiro chinês, material dourado) para resolução de diferentes problemas aritméticos, construídos em função de temas dos diversos projetos didáticos; aulas de campo (visitas às dependências da escola); descrição e representação de caminhos, itinerários, trajetos; montagem de coleções de objetos diversos (álbuns de figurinhas); atividades de culinária (envolvem diferentes unidades de medida: tempo de preparo, litro, quilo, colher xícara, corpo etc); e exploração diversificada de material de sucata.
A fim de que a professora possa melhor orientar as propostas dos jogos e resolução de problemas com vistas a assegurar a aprendizagem de todas as crianças, é importante investir continuamente em:
1) Fazer o levantamento dos conhecimentos prévios das crianças (procurar descobrir o que elas sabem, como fazem, como pensam, como solucionam as situações propostas, como interagem com o grupo, para melhor atender a diversidade de ritmos e condições de aprendizagem);
2) Partir sempre da experiência cultural das crianças, articulando os saberes já cons-truídos com as diferentes propostas novas;
3) Propor situações-problema às crianças de forma contextualizada, para que possam fazer sentido para elas;
4) Organizar o tempo didático, os agrupamentos de crianças e o ambiente de trabalho, de modo a otimizar as interações e favorecer a aprendizagem das crianças;
5) Colocar jogos e materiais disponíveis para a criança explorá-los, preferencialmente em interação com colegas;
6) Favorecer o estabelecimento do maior número possível de relação a partir das atividades propostas, para melhor acompanhar os avanços das crianças;
7) Observar e registrar as diferentes estratégias de solução usadas pelas crianças;
8) Socializar e promover o confronto das diferentes hipóteses/estratégias e produções das crianças;
9) Orientar diferentes formas de registro dos jogos e situações-problema trabalhados;
10) Avaliar continuamente a aprendizagem individual, coletiva e a sua própria prática pedagógica para redimensioná-la e aprimorá-la.
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